A suspensão dos efeitos da Lei 10.500/2017, sancionada pelo governador Pedro Taques em janeiro deste ano e que deu novas configurações às divisas de 36 municípios de Mato Grosso, tem deixado a população de algumas regiões contempladas com a mudança apreensiva. É o caso dos moradores do Vale do Abençoado.
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Localizado na Serra de São Vicente, pela Lei a comunidade que pertencia a Santo Antônio do Leverger passou a fazer parte do município de Campo Verde. Na comunidade vivem 65 famílias e cerca de 300 pessoas que reclamam das condições precárias das estradas, da falta de estrutura escolar e de atendimento na área de saúde.
A mudança representou esperança para a população, que afirma ter sido “abandonada” por anos pelas administrações de Santo Antônio do Leverger. Com a decisão da Justiça de que as áreas devem voltar a fazer parte do município de origem, os moradores se dizem entristecidos.
“A gente estava confiante que íamos ter melhorias na nossa comunidade e agora, nós voltando, vamos ficar na mesmice que era antes, sem uma ajuda, estradas ruins. Nós, moradores, estamos ansiosos com a melhoria da nossa comunidade e [pertencendo] a Campo Verde nós temos certeza que aí nós iríamos ter um parceiro mesmo”, disse Eranil da Silva Souza, presidente da Associação dos Moradores do Vale Abençoado.
De acordo com Eranil, que mora há 20 anos no Vale Abençoado, os moradores vão resistir à determinação da Justiça para que a região volte a pertencer a Santo Antônio do Leverger. “Nós estamos aqui prontos para o que for, queremos Campo Verde mesmo. Estamos aqui no aguardo do que for necessário a gente fazer”, disse.
Ela também reclamou da ausência do Poder Público de Santo Antônio do Leverger na comunidade. Segundo Eranil os serviços ofertados são precários. “A escola mesmo teve uma melhoria há anos com a construção de dois banheiros. Aqui na escola falta tudo e as estradas é de ano em ano que vem a máquina. Falta médico... Não vem médico! A vacina mesmo nós estamos aguardando até hoje e ainda não chegou”, reclama. Na comunidade não tem posto de saúde e os moradores precisam buscar atendimento na Agrovila das Palmeiras.
Geograficamente, os moradores afirmam que é muito mais prático fazer parte de Campo Verde que de Santo Antônio do Leverger. Enquanto o primeiro está a pouco mais de 50 quilômetros, o segundo está a mais de 120 quilômetros distante. “Eu vejo a maior dificuldade mesmo é o acesso à sede do município. Meu irmão é vacinador de gado e ele tem uma dificuldade muito grande de se deslocar daqui pra Cuiabá, para despois se deslocar para Santo Antônio para registrar as vacinas. Para Campo Verde é mais fácil a gente se deslocar para resolver as coisas”, observou Raimundo Elivaldo Pereira Santos, que há oito anos mora no Vale Abençoado.
A decisão da Justiça para que o Vale Abençoado volte para Santo Antônio do Leverger deixou os moradores decepcionados. Segundo eles, quem julgou o pedido de liminar não conhece a realidade da região. “Nós não podemos voltar para Santo Antônio, nós temos que continuar em Campo Verde, porque Campo Verde nós sabemos que vai fazer coisas ‘pra’ nós, vai trazer coisas boas pra cá, porque nós precisamos é que o Vale cresça, não que fique do jeito que está: paralisado”, disse Eterna Maria Fontes, que mora há 20 anos na comunidade. “Eles não conhecem a realidade das pessoas que vivem aqui. Devido, acho que ao desconhecimento da necessidade da comunidade, eles tomaram essa decisão e eles precisam rever isso e visitar a comunidade para poder tomar essas decisões”, completa Raimundo Elivaldo.
Alunos estudam em escola precária no Vale Abençoado
Quando se pensa em uma escola, imagina-se um prédio construído em alvenaria, com salas limpas, arejadas, pátio, área para refeição e uma quadra para a prática esportiva, ou seja, um ambiente agradável onde os alunos possam estudar com conforto e comodidade. Mas na comunidade Vale Abençoado, na Serra de São Vicente, a realidade é bem diferente: a escola é uma construção de madeira com três salas, uma varanda e dois banheiros. Conforto? Nenhum.
A construção em nada lembra um ambiente escolar. As tábuas das paredes não têm rejunte e o teto de amianto sem forro, apresenta buracos. No frio, o vento gelado da serra entra pela sala e quando chove, a água invade o ambiente, sem contar o risco de animais peçonhentos, como cobras e aranhas, entrarem pelas frestas das paredes.
Se no inverno a situação é ruim, no verão é ainda pior. A temperatura se torna quase insuportável e dos dois ventiladores instalados apenas um funciona e não é suficiente para amenizar o calor. Para completar, a merenda é preparada em uma cozinha improvisada em uma das salas.
A escola conta com dez alunos que estudam em uma única sala onde crianças de 4 a 11 anos frequentam aulas em várias séries e sonham com um ambiente melhor. André Santos Alves tem 9 anos, está no 4º ano. Sua vontade é de estudar em uma sala com ar condicionado. “Mas aqui não dá ´pra´ ter porque [as paredes] têm buracos”, observa. “Aqui é muito ruim, quando chove molha a gente”, completa.
A escola foi construída em 2002 numa parceria entre os moradores da comunidade e a Prefeitura de Santo Antônio do Leverger. Nesses quinze anos, a única melhoria recebida foi a construção de dois banheiros em alvenaria e nada mais. As péssimas condições da escola, que não oferecem nenhuma condição aos alunos, também prejudicam o aprendizado.
De acordo com a professora Solange Alves de Souza, as condições do prédio impedem que ela trabalhe o lúdico, importante ferramenta no processo de aprendizagem. “Por ser sala multisseriada já dificulta o ensino, mas se tivesse uma escola de alvenaria seria muito diferente. Tem aluno do 4º ano que não sabe ler, outros têm dificuldades com a matemática”, lamenta. “Com uma escola mais ampla, com salas mais amplas, com certeza ia melhorar o aprendizado”, acredita.
A região do Vale Abençoado pertencia a Santo Antônio do Leverger até janeiro. Com a promulgação da Lei número10.500/2017 pelo governador Pedro Taques, que redefiniu as divisas de 36 municípios, passou a pertencer a Campo Verde. Como a Justiça suspendeu os efeitos da Lei, a região voltou a pertencer a Santo Antônio. Para a professora Solange, a esperança de que a comunidade pudesse ter uma escola melhorar era continuar pertencendo a Campo Verde.